Estamos diante de uma questão extremamente grave e que atinge uma parcela muito grande, majoritária, da população brasileira: a imposição de uma reforma educacional (mais uma imposição, mais uma reforma educacional), voltada para o Ensino Médio, etapa conclusiva da Educação Básica.
Imposição porque feita pela via da Medida Provisória, a MP 746/16, suprimindo, desse modo, qualquer possibilidade de debate, para a formulação de seu conteúdo, pela população e pelos efetivos sujeitos em presença na concretização do Ensino Médio em nosso país: professores, estudantes, pais/responsáveis, agências de formação de professores, demais trabalhadores e profissionais da Educação… Imposição porque, mais uma vez, saída dos gabinetes do governo em Brasília, desconhece as condições concretas do funcionamento dessa etapa da Educação Básica e desrespeita, com seu propósito de discurso único, naturalizado, a experiência e as aspirações dos principais atingidos pelas mudanças que busca implantar.
Feita a crítica – muito pertinente, acredito – ao método, à forma, cabe-nos adentrar, sem mais delongas, em seu conteúdo. Afinal, que “novo” (entre aspas) Ensino Médio é esse, que o atual governo, em pleno exercício de sua ilegitimidade, visa implantar? Antes de mais nada, e isso vale como justificativa para as aspas no “novo”, é preciso perceber que de novo o Ensino Médio proposto pela MP 746/16 não tem nada. Ao contrário, ele representa uma atualização, adequada aos ditames contemporâneos da lógica de mercado, da Educação dual, diferenciada por classes, nossa velha conhecida, que já vigorou, em seu pleno esplendor, como se quer reintroduzir, agora, com a MP 746/16, em duas durações da nossa história: no período do Estado Novo, com a Constituição de 1937, a Polaca e a chamada Reforma Capanema, e, mais recentemente, no regime de exceção empresarial-militar, por meio da Lei 5692/71. Não por acaso nem coincidência, as duas tristes experiências ditatoriais vivenciadas pelos brasileiros no período da República.
A afirmativa anterior, a denúncia do aporte de um projeto de Educação dual trazido pela MP 746/16, tem como base a caracterização feita pela MP, com apoio nas áreas nela definidas- nas quais, atenção!, a preparação para o trabalho é tratada como equivalente e não decorrente dos ramos do conhecimento e da formação humanística-, do percurso formativo a ser escolhido pelos alunos: em sua significativa maior parte, jovens, na faixa etária dos 15 anos, imersos numa sociedade de extrema complexidade, cuja interpretação e compreensão exigem instrumental do qual uma grande parcela, aquela oriunda das camadas sociais menos favorecidas, terá que abrir mão de se apropriar para trilhar o caminho de uma profissionalização precoce. E, mais grave, ainda, claramente insegura, tendo em vista as atuais condições ruinosas do setor produtivo nacional. Mas não nos espantemos com isso! Afinal de contas é a esses mesmos jovens que alguns, dos quais divirjo, frontalmente, querem imputar, desde essa tenra idade, responsabilidade penal e criminal.
Ainda em termos do conteúdo da MP, cabe mencionar seu teor desprofissionalizante, desqualificador e, consequentemente, precarizador da atividade profissional da docência. De um modo geral e, particularmente, incisivo sobre aqueles professores das áreas de Filosofia, Sociologia, Artes e Educação Física. Ao substituí-los por pessoas com “notório saber” – Conferido por quem? Com base em que critérios? –, ou, simplesmente suprimi-los do currículo do Ensino Médio, como seria o caso das áreas citadas, busca-se lançar e consolidar a ideia, perversa e falsa, da desimportância do professor. Fica, desse modo, no ar a pergunta: nessa perspectiva, qual o papel a ser jogado pelas universidades e pelos seus cursos de Licenciatura, espaços sociais precípuos da formação de professores?
É preciso, no entanto, ir mais além. Há um deletério engodo oculto na proposta de expansão da carga horária do Ensino Médio trazida pela MP 746/16. Em tempos de draconiana contenção dos gastos públicos nas políticas sociais, a Educação dentre elas, facilmente previsíveis no caso da aprovação da Proposta de Emenda Constitucional 241/16, desejada pelo o governo federal e contra a qual o movimento social e popular vem envidando seus esforços de combate, a implantação do tempo integral no Ensino Médio, principalmente nas escolas públicas, se vier a ocorrer, efetivamente, acontecerá às expensas da iniciativa privada, muito provavelmente por meio das parcerias público-privadas, as chamadas PPP. O cenário daí decorrente e o significado desse fato, do ponto de vista das finalidades a serem alcançadas por esse aporte de recursos pela via das PPP, é de uma clareza evidente: a subordinação, ainda maior do que a que já ocorre, da Educação, direito público inalienável de todos os brasileiros, aos interesses de uma minoria, a representação social do capital.
Por fim, é importante mencionar que, aqui em nosso estado, a tarefa de tomar a frente, de posicionar-se na vanguarda da luta contra a MP 746/16 foi assumida pela Frente Paraibana em Defesa da Escola sem Mordaça, organismo que tem sua estrutura assentada na defesa de uma escola pública, gratuita, democrática, de qualidade, plural e inclusiva e contra os ataques que a ela, bandeira e prática, venham a ser desferidos. Tal decisão da Frente tem como esteio o combate às mordaças trazidas pela MP 746/16 à Educação e à escola brasileiras, quais sejam aqui elencadas conforme a ordem da apresentação feita:
– contra a mordaça da exclusão dos sujeitos de sua efetivação do debate e das deliberações sobre os rumos da Educação nacional!;
– contra a mordaça da impossibilidade de atuação da escola como mediação em prol da democratização da estrutura social brasileira!;
– contra a mordaça da desprofissionalização, desqualificação e precarização da docência!;
– por uma educação como política social democrática, plural e inclusiva!
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Alexandre Antônio Gíli Náder
Professor do Centro de Educação da Universidade Federal da Paraíba
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